Tuesday, September 18, 2007

Contar o tempo em quadros e em segundos

Acho que é Pai e Filha (Banshun, 1949)o filme de Ozu de que mais gosto. Gosto do sorriso de Noriko e do sorriso de seu pai. Inabaláveis e tristes. Gosto do gesto derrotado com o qual o pai descasca uma maçã e do olhar abandonado de Noriko durante o Nô. Gosto da sútil agressividade do vento sobre as árvores e das ondas do mar. Sobretudo encantam-me os relógios de parede que parecem sempre acompanhar Noriko e do vaso (de cinzas?) sobre a mesa, logo após a cena em que ela se desculpa com seu pai na última viagem que os dois fazem juntos. Estes relógios e este vaso me dizem do que está em vias de não ser mais.
Como a fotografia: anúncio de uma morte futura.

***

Há um filme de Win Wenders, Tokyo Ga, em que o cineasta alemão parte para o Japão em busca do Japão de Ozu. É claro que não encontra nada daquilo em uma Tóquio tomada pela publicidade e pelo consumo (e cabe a pergunta se ele realmente esperava encontrar). Mas, em um dado momento, após visitar, junto ao primeiro assistente de Ozu, o tumúlo do cinemasta - no qual está inscrito não o nome do cineasta, mas um ideograma japonês representando a palavra 'Mu' ('vazio') - Wenders é apresentado ao relógio que Ozu utilizava durante as filmagens. O relógio marcava o tempo em quadros e em segundos. É um dos momentos grandiosos do filme (talvez Wenderes não tenha percebido). Não encontrando o Japão de Ozu, ele encontra o cinema de Ozu: o vazio e o tempo marcado em quadros e em segundos.

***

Parece-me que não são só os enquadramentos rigorosos de Ozu que justificam a comparação do cineasta com um fotógrafo. É também tudo o que se passa no quadro (ou talvez dever-se-ia dizer 'nada'). O tempo em sua forma mais cristalina.

Thursday, August 09, 2007

Esquecer

Do primário até o mestrado eu passei por diferentes cidades, colégios, salas de aula e professores. Para cada ano de minha vida havia uma sala de aula diferente. No entanto, e para minha surpresa, quando busco na minha lembrança imagens para estes lugares encontro apenas algo como "A sala de aula". Esta sala não corresponde à nenhum período da minha vida. Não me vejo pequena, adolescente, nem adulta. Tampouco associo-a a alguma estória ou vivência pessoal. Não há nem professores, nem alunos. Apenas carteiras vazias e um quadro negro. Como uma imagem fixa e atemporal. Talvez nunca tenha estado nesta sala. E entretanto, reconheço-a. É, certamente, "A sala de aula". Há o quadro negro, e nele se apagam e depositam todas as estórias que vivi e esqueci.




Acho que esse é um dos motivos que me leva a gostar dessa série de Daniela Steinfield, onde tudo é tão parecido e tão diferente. Eu não estive em nenhuma dessas salas. Eu não conheço nenhuma dessas pessoas. Aliás, elas me dizem tanto de si, quanto este quadro diante do qual se colocam. Mas eu reconheço tudo isto, separadamente, todas elas se parecem com a imagem que guardo "da sala de aula". E entretanto, elas são todas diferentes. Assim como são diferentes as salas nas quais entrei e das quais guardo apenas uma imagem. Fosse apenas uma fotografia acho que não gostaria desse trabalho. Mas, de repente, na repetição do igual, surge algo novo. Eu o chamo de "esquecimento".

* Daniela Steinfeld, Salas de aula, 1994.

Tuesday, June 19, 2007

como se só houvesse um pouco de corpo

Procuro mostrar a especialidade dessa alucinação e encontro isto: na noite de um dia em que eu ainda tinha olhado fotos de minha mãe, fui ver, com amigos, o Casanova de Fellini; eu estava triste, o filme me entediava; mas quando Casanova se pôs a dançar com a boneca, meus olhos foram atingidos por uma espécie de acuidade atroz e deliciosa, como se eu eu sentisse de um só golpe os efeitos de uma droga estranha; cada detalhe, que eu vi com precisão, saboreando-o até o fim, conturbava-me: a esbeltez, a tenuidade da silhueta, como se só houvesse um pouco de corpo sob o vestido achatado; as luvas amarrotadas de filosela branca; o leve rídiculo da pluma do penteado, esse rosto pintado e todavia individual, inocente: algo desesperadamente inerte e todavia disponível, oferecido, amante, segundo um movimento angélico de 'boa vontade'. Pensei então, irresistivelmente, na Fotografia. Julguei compreender que havia uma espécie de laço (de nó) entre a Fotografia e a loucura e algo cujo nome eu não sabia bem. Eu começava por chamá-lo: o sofrimento de amor. Não estava eu, em suma, apaixonado pela boneca felliniana?
*barthes - A Câmara Clara

Monday, May 28, 2007

mnemósine

"Não te perguntaste porque é que um instante, semelhante a tantos outros no passado, deve de repente fazer-te feliz, feliz como um deus? Tu fitavas a oliveira, a oliveira na vereda que percorreste todos os dias durante anos, até que chega o dia em que o mal-estar te deixa, e tu acaricias o velho tronco com o olhar, como se fosse quase o amigo reencontrado e te dissesse justamente a única palavra que teu coração esperava. Outras vezes é o olhar de um passante qualquer. Outras vezes a chuva que insiste há dias. Ou o chio estridente de um pássaro. Ou uma nuvem que dirias já ter visto. Por um instante pára o tempo, e aquela coisa banal tu sente-la no coração como se o antes e o depois já não existissem. Não perguntaste o porquê disto tudo?"

Cesare Pavese -Le Muse, Dialoghi con Leucò (1947) - tradução José Colaço Barreiros

Thursday, May 24, 2007

o que cala

No ultimo momento ela me perguntou se Bernard Faucon calava algo nas suas imagens. E se sim, o que seria. Citou ainda, para fazer esta pergunta, Blanchot e o canto das sereias. Ulisses amarrado a escutar as sereias: o fascínio.
Sem resposta, calei momentaneamente a pergunta.

Mas, eis a verdade: Não se cala nada sem que aquilo que foi silenciado volte para nos assombrar. Na arguição ela me disse: “você, em seu texto, já respondeu esta questão.” Foi terrível. Com esta fala e aquela pergunta, ela tornou o meu texto tão opaco quanto as águas de um oceano que esconde sereias. O texto que eu escrevi guardava segredos que nem eu sabia. Desde então não posso mais fechar a última página nem colocar um ponto final. Estou aprisionada no que minha escrita silenciou àquela que a realizou.

Perguntei se não seria a morte. Aqueles manequins não-vivos, ao me darem um suplemento de vida, não silenciavam a morte? Também perguntei se não seria a realidade e o tempo do mundo. Ao me levarem a fabular uma memoria fantástica, um tempo nem passado nem futuro, aqueles manequins não silenciavam a realidade?
A estas duas perguntas poderia responder que sim, não fosse a presença dos meninos vivos em algumas imagens. O corpo de carne e osso devolvia-me para o tempo do mundo, anunciava-me a fatalidade do tempo e a impossibilidade de ser eternamente criança.
Aquelas respostas eram apenas parcialmente verdadeiras.

Então, o que cala e que eu, no meu texto, já disse?
Sou eu. Sou eu quem cala nas imagens de Faucon. Resposta deveras estranha porquanto trata-se de um texto escrito em primeira pessoa. Mas o que se deveria perguntar não é o sujeito da frase, e sim se de fato sou eu essa primeira pessoa.
E não sou.
Quero dizer: o que nessas imagens e o que neste texto que as descreve diz da pat m.? Nada. Não se adivinha em suas páginas a mineira que vive em São Paulo; a moradora de um prédio cujas paredes finas cultivam a neurose e a inimizade de seus moradores; a vizinha de uma padaria que tem nome de filme japonês, a frequentadora de sessões de cineclube, nem a menina ansiosa de nascença. E no entanto, essa, com um ou outro dado a mais, é a minha realidade. Se fosse para escrever uma “redação” sobre mim, seria isso o que eu diria.

Mas ali o sujeito da frase sou eu tornado sujeito impessoal. Entrar no imaginário é morrer, escreve Blanchot. E ali sou eu, num devir criança, tragada pelo reino do imaginário. Naquelas imagens e no texto que as descreve eu, pat m., morro. Mas, tão somente para nascer novamente uma outra, um outro: criança atemporal e universal. Eterna criança que não fui e me torno, vivo em um mundo outro onde as paredes não têm espaço para relógios. Não tenho controle sobre o meu corpo, não sei dizer o dia, o mês ou o ano. Também não sei distinguir o verdadeiro do falso. Perdi todas os sistemas de comparação. E ainda sim, vivo verdadeiramente no interior do meu olhar as afecções de uma infância inexistente, mas que me requisita para si.

Quando o corpo vivo aparece, é a este sujeito impessoal que ele se dirige, é a ele que ele anuncia a morte e a irrealidade. No momento de sua chegada eu já é outro. Talvez ele me devolva ao tempo do mundo, talvez ele me relembre de minha própria realidade. Mas o movimento é inverso: eu só volto a ser eu quando expulsa daquelas imagens.

Apenas a partir daí é possível compreender a primeira pessoa do texto e a suspeita que há muito vinha cultivando de que só seria possível falar de fotografia em primeira pessoa. Talvez eu devesse acrescentar um novo ponto ao meu ensaio de conclusão. Nele diria que o que soa como demasiado intimista, o que parece ser apenas o relato de uma experiência pessoal não é a afirmação egocêntrica de um sujeito de fala. Muito pelo contrario, é a única possibilidade de trazer ao plano do discurso o que o mutismo fotográfico cala. E se fosse citar Barthes, diria: “a expansão metonimica do punctum”.

O que cala em Faucon sou eu, mas também todos os olhares que se deixam afetar.

Wednesday, May 02, 2007

Toma cuidado: por brincar de fantasma te transformas nele. (roger callois)

*première communion - bernard faucon

Friday, February 16, 2007

Escrevem-me a dizer que a foto substitui o instante. Dentre outras coisas dizem-me também que na sua imobilidade e no seu mutismo ela nos convida a ultrapassar o instante, “a propor uma continuação”. E antes de concluirem dizendo que o video deveria substituir a fotografia dizem-me ainda que a foto “casual” deveria durar um período mais longo. “Algo mais que o nada”, “algo que desse calor e provocasse mais memórias atiçando saudades”.

Respondo pelo começo: não, caro sam, a foto não substitui o instante, ela dá duração ao instante. O que é o instante, eu te pergunto? Qualquer coisa que tem uma dimensão temporal praticamente nula. Tente, no fluxo do tempo, me apontar um instante. É impossível, ele é sempre aquilo que acabou de se tornar passado. E eis que vem a fotografia. E o que ela faz? Ela detêm um instante, ela petrifica-o, subtraindo-o da corrupção do tempo. E neste momento em que o futuro não pode mais exercer o seu trabalho, a foto abre-se para um fora do tempo. Doravante, não será mais o instante que passará pelo tempo, será o tempo que passará pelo instante.

É certamente um paradoxo: retirado da duração o instante adquire duração; retirado do fluxo do tempo; ele, que tem temporalidade quase nula, adquire temporalidade; no que pára, algo perpetua; no que está imóvel algo se move.

É isto, no imóvel algo se move. Não, caro sam, a foto não convida a ultrapassar o instante, ela não propõe uma continuação – é o cinema que o faz, o cinema é que tem um fora de campo. A foto, por sua vez tem um campo cego. Este campo cego é o meu olhar. Explico-me. Na medida em que ela dá duração ao instante ela se abre a um vagar infinito deste olhar. E não é no tempo do mundo que eu vago, é neste fora do tempo, neste outro do mundo. Uma foto não tem antes ou depois, ela tem um então e um agora: o então da tomada e o agora do meu olhar. A imobilidade da foto, converte-se em uma imobilidade viva, e o nada do instante (este nada do qual você fala), converte-se no tudo do meu encontro com o passado do referente.

O calor e a saudade dos quais você fala não estão no movimento que inscreve o futuro, mas no que o impede. Eis a foto: eu vejo aquilo que foi, ele está ali diante de mim, se perscruta-la talvez poderei tocá-lo. Mas não posso, ele está de mim apartado, ele é inapreensível.

Talvez, sam, seja com a palavra substituição que eu não concorde. Pelos argumentos que você me apresenta ela é insustentável. Há algo como a vida e há algo como uma vida através do olhar. Há fotos que nos permitem isso, há filmes que nos permitem isso (não da mesma forma que a fotografia, mas na relação entre o tempo e o movimento). Mas, no dia em que o cinema ou a fotografia substituirem a vida (os instantes, a experiência de ver…) temo dizer, Sam, será o dia em que não existirá nem mais cinema, nem mais fotografia. Talvez isto já esteja acontecendo. Sim, estamos no reino do digital, da imagem numérica, publicitária, do turismo fotográfico e videográfico. Felizmente há os que resistem. E que esta resistência seja tanto fotográfica quanto cinematográfica.

Monday, February 12, 2007

perguntam-me se não seria obra do amor eu ter me desconcentrado da escrita.
respondo que sim. mas temo ter sido mal entendida. teria sido necessário dizer que o amor é uma tela negra, uma história secretada, uma ética estética. Ou, se se quiser, O cinema.

Saturday, February 10, 2007

Tanatografia: "Eis a foto.

O medo a congelará na película. Estou dizendo: eis a foto. A foto representa o rosto de Fay Wray de frente justamente no instante em que ela descobre, siderada, o horror do rosto mutilado de Gregor/Górgona, que a fixa de maneira insuportável. Olhar de medo, hipnotizado, paralisado no intercâmbio especular com o olhar mortífero do terror. Petrificada (peliculada, fotografada) e, por aí mesmo, no jogo pragmático da frontalidade da imagem, por sua vez petrificante, imagem peliculada de nossa própria petrificação. Irredutível circularidade/especularidade do efeito-Medusa, instituído pela reciprocidade do face a face e na própria fatia do olhar cortante/cortado. Eis, é claro, a própria imagem do cinema (não somente do terror), de todo cinema, e portanto, também (principalmente) a própria imagem da fotografia. A parada na imagem, peliculada, mostrada no terror, como um olho transtornado. O decreto de (pequena) morte."
(philipe dubois, o ato fotográfico, sobre: "the mystery of wax museum", 1933, Michael Curtiz)

Thursday, February 08, 2007

About the morbid urge to gaze



- Do you know what the most frightening thing in the world is?
It's fear. So I did something very simple. Very simple...
When they felt the spike touching their throat, and knew I was going to kill them, I made them watch their own deaths.

I made them see their own terror as the spike went in.

And if death has a face, they saw that too.

(peeping tom, 1960, michael powell)

Sunday, January 28, 2007

Primeira pessoa


Cheguei em tempo de poder ver as 2500 fotos da mãe de Emil Forman. Não esperem que a um convite para olhar suas fotos de família ou os registros de suas férias eu atenda por qualquer outro motivo que não seja a educação. Mas, estas fotos, desta mãe, de quem nem mesmo o nome eu sei, me fascinaram.

Não, não era a “arte fotográfica”. De um tempo em que o maneirismo ainda não havia tomado conta da fotografia amadora e que a vida humana ainda não se espelhava nas imagens futuras que a camêra lhes dedicaria, estas fotos realizadas entre as décadas de 40 e 60 são absolutamente banais.

Uma vida registrada no correr da malha de seu cotidiano.

E eis que uma mágica acontece: eu me vejo indo e voltando entre uma foto e outra; buscando, nos acontecimentos menores de uma vida, nos rostos e lugares, a cada foto mais familiares, os indícios da passagem do tempo, os fios invisíveis que ligariam um momento ao outro.
Eu traço linhas imaginárias entre instantes registrados; eu quero saber como aquela que foi se tornara aquela que é e, o quê daquela que é levaria àquela que seria. Eu brinco de adivinhar o futuro.

Ainda no meio da instalação eu escuto, ao meu lado, alguém a perguntar: mas será que ela não se casou? Eu me perguntava a mesma coisa: desta vida guardada em todas as suas insignificâncias, eu queria o casamento - esta data por todos registrada. Eu queria, principalmente, o fio que ligasse aquela mulher àquele artista que a ela me apresentava. E eis que eu vejo: A noiva, as crianças, a vida familiar. Lamento o tempo passado, lamento o que foi e não mais será, mas respiro, aliviada, por finalmente encontrar, na foto de Forman bebê, o momento em que o hoje se aninhava ao ontem.

Nesta foto eu paro e, por um instante, me emociono imaginando que com aquele bebê – hoje, já morto – era o presente do meu olhar o que também nascia.

Está tudo lá: a relíquia, a memória, e A mãe (dizem que, o único lugar onde temos certeza de, um dia, já termos estado).

Tuesday, January 23, 2007

É com uma certa frequência que eu tenho que me convencer de que meus passeios por blogs não são em vão. Que nestes sitios não é o tempo que se perde, mas algo outro que se ganha. Hoje, por exemplo, minha dissertação ganhou uma citação.blogspot e minha biblioteca, um novo livro.

Friday, January 19, 2007

É de um silêncio espectral



e, ainda sim, eu escuto o barulho de um relógio.

Como se neste instante em que as pessoas se calaram e as portas se fecharam, eu escutasse, ao longe, a marcha dos russos que ainda não haviam chegado, o som dos tanques que ainda ocupariam a praça central.

Neste instante, pequena parada no oceano do tempo, o futuro se aninha no passado e a foto me anuncia uma morte futura.

* foto: joseph koudelka

Monday, January 08, 2007

relógios de ver

Para mim, o barulho do Tempo não é triste: gosto dos sinos, dos relógios - e lembro-me que originalmente o material fotográfico dependia das técnicas da marcenaria e da mecânica de precisão: as máquinas, no fundo, eram relógios de ver, e talvez em mim alguém muito antigo ainda ouça na máquina fotográfica o ruído vivo da madeira.
a câmara clara - r.b.

Monday, December 18, 2006

há um, há dois



e há três relógios...

O primeiro marca 2 e 43, o segundo também marca 2 e 43 e o terceiro não conhece horas, minutos nem segundos, mas cria um tempo outro, em que será, para sempre, 2 e 43.

Renovação da duração: nada a lembrar, nada a esperar. Nem futuro, nem passado, só este momento que, não obstante, não conhece a passagem do tempo.

De uma imbolização do olhar, um caso de amor perfeito (a três).
Uma pequena morte.


* foto: felix gonzales-torres

Saturday, December 09, 2006

a impotência para nomear

é um bom sinal de distúrbio. O que eu posso nomear não pode, na realidade, me ferir.

O studium é o campo do desejo indolente, do interesse diversificado, do gosto inconsequente: gosto / não gosto, I like / I don`t. É da ordem do to like, e não do to love; mobiliza um meio desejo, um meio querer.

No punctun, 'o efeito é seguro, mas não situável, não encontra seu signo, seu nome; é certeiro e no entanto aterrisa em uma zona vaga de mim mesmo; é agudo e sufocado, grita em silêncio. Curiosa contradição: é um raio que flutua.

A Câmara Clara, Roland Barthes.

Friday, December 08, 2006

idéia de amor

Viver na promixidade de um ser estranho, não para nos aproximarmos dele, para o dar a conhecer, mas para o manter estranho, distante, e mesmo inaparente — tão inaparente que o seu nome o possa conter inteiro. E depois, mesmo no meio do mal-estar, dia após dia não ser mais que o lugar sempre aberto, a luz inesgotável na qual esse ser único, essa coisa, permanece para sempre exposta e murada.

Giorgio Agamben, "Idéia da Prosa", tal como encontrado no dias felizes.

Wednesday, December 06, 2006

Gosto, amo

Tenho uma terrível dificuldade de falar das coisas que eu gosto. Não tanto das que eu gosto quanto das que me arrebatam. Posso, por exemplo, dizer que gosto de comédias românticas e de ER. Posso inclusive justificar, sem grandes problemas, que nos caso das comédias minhas preferências recaem sobre as que têm no elenco o Bill Murray, o Hugh Grant ou a Julia Roberts, enquanto que as da Meg Ryan me entediam. Estes filmes são engraçados, divertidos, leves. Se eu não preciso pensar muito enquanto os assisto tampouco preciso para os adjetivar. Eles fazem parte de uma região média do meu gostar. Entro e saio deles facilmente.

Mas quando o caso é dizer do que me arrebata as palavras sempre faltam. Não há nem metáforas nem adjetivos (e adjetivar, me parece sempre uma terrível falha da linguagem).
Quando é assim, eu só posso dizer que a Duras é. Que a Anne Marie Stretter de India Song é. Que elas são precisamente onde eu não sou mais.
Ou então que há uma dor. Uma dor silenciosa e aguda, na Mouchete e na Marie (Au Hazard Balthazar) de Bresson, e uma dor resistente e opaca na Bardot de Le Mepris.
Eu posso dizer que eu estive e não estive em Mariambad e que em Hiroshima eu amei e morri.
Para além disso, eu digo que o deserto (e o deserto não precisa ser necessariamente um deserto, ele pode ser uma cidade esvaziada) absorve toda vida de quem vaga e de quem vê. Que no deserto o silêncio grita e a solidão cega. Que na Monica Vitti eu me senti tão só quanto eu nunca fora.
De resto, nesta incapacidade de dizer, faz um tempo que venho tentando falar sobre a Chantal e a Varda, mas tudo o que consegui foi associar o verbo ser ao verbo olhar. E ainda sim, o sujeito da ação continua incerto.

* felizmente há sempre aqueles que acham as palavras certas. se acontecer de me encontrarem a falar qualquer coisa que não seja um 'silêncio impronunciável" foi aqui, aqui ou aqui que eu encontrei.

Monday, December 04, 2006

Gosto, não gosto:

isso não tem a menor importância para ninguém; isso, aparentemente, não tem sentido. E, no entanto, tudo isso quer dizer: meu corpo não é igual ao seu. Assim, nessa espuma anárquica dos gostos e desgostos, desenha-se pouco a pouco a figura de um enigma corporal, atraindo cumplicidade ou irritação. Aqui começa a intimidação do corpo, que obriga o outro a me suportar liberalmente, a ficar silencioso e cortês diante de gozos ou recusas de que não partilha.

(uma mosca me irrita, eu a mato: a gente mata aquilo que nos irrita. Se eu não tivesse matado a mosca, teria sido por puro liberalismo: sou liberal para não ser assassino)

R.B. por R.B.

Parênteses para quando faltam palavras e imagens.

Voltar: Flores secas e pimentas mortas. Uma bromélia, antes rosa, e agora cinza (ela a prefere assim, há uma tristeza não decorativa nesta cor póstuma). Um cheiro de abandono que sai da geladeira. Uma árvore da felicidade sem folhas nem galhos - se ao menos fosse outro o seu nome.
Da partida resta ainda a gaiola sem pássaros e as palavras na parede.
Ela queria um mundo de natrezas mortas. É preciso comprar semprevivas.

Thursday, November 23, 2006

da im-potência

sobre a escrita (ou o arquivo) duas palavras:

um:
dois:

da escrita (ou do arquivo)

sobre a im-potência duas palavras:

um:
dois:

Monday, October 30, 2006

das viagens




Há uma certa ambigüidade que marca o fim das viagens, ao menos das verdadeiras viagens. Nestas, o fim nunca é determinado por uma data, uma passagem ou obrigação. O retorno é um desejo; sabemos que o que viemos fazer aqui foi feito, que o que viemos viver aqui foi vivido. Não é uma saudade; o desejo do retorno não se confunde com as vontades da saudade – esta será, doravante, sempre de um alhures que tampouco é um lugar. É esta a ambigüidade. Voltamos porque sabiamos que deveríamos voltar, e voltamos para lembrar. Não é nunca para o conhecido do lar que voltamos, porque é nossa própria noção de lugar que se modifica; estamos doravante entre dois lugares: o aqui e um ainda aqui.

Mas quando viajamos, estamos, não obstante, entre dois lugares: um aqui e um já aí. Ou mesmo três, o aqui, o um já aí e um ainda aqui. Porque há sempre a casa a nos acompanhar. Uma casa que tampouco é um lugar, mas que é um repositório de memórias, uma geografia de afetos em que eu sou este familiar que me circunda. As verdadeiras viagens são sempre o encontro dessa casa que me habita com este desconhecido que me convida e com o qual torno-me intimo. Mas é minha casa que se fratura e se torna intima dessa outra geografia.

É a velha sentença que deve ser reformulada: viajo para voltar. Porque a questão é menos de espaço que de tempo; ou, se é de espaço, ela é igualmente de tempo. Nas verdadeiras viagens, voltamos todos os dias; e a volta é, não obstante, uma viagem. Voltamos para viajar.

Depois dos reecontros, segue-se um silêncio; é o som do “ainda aqui”. Para ele não há palavras. Há muitas vezes fotografias. Os álbums de viagem são com frequência uma tentativa de encontrar realidade para esta viagem que ainda nos habita; de tornar presentes esta ausência que passamos a acreditar constitutiva. Nada se presta melhor a melancolia da perda do que as fotografias.

Tuesday, October 17, 2006

Da infância guardo duas lembranças: a abjeção pelo pôr do sol e a abjeção pela fotografia. Há outras ainda; reconstituições forjadas pelas fotos que encontro no álbum da familia. A menina em amarelo, a menina vestida de baiana, fantasiada de coelho da páscoa ou arrumada para a festa junina. Olho-as e penso: devo ter sido feliz. É isto o que estas fotos me atestam. Mas não lembro da felicidade. Lembro do seu teatro e de uma pose de felicidade. Estas imagens não guardam nenhum mistério desta infância que outrora tive e para qual reivindico o direito de esquecimento (como para todos os pores do sol indiferenciáveis nas tantas mil fotos que dele vejo e nas quais nunca o encontro.).
.
.
.
.
Aonde jaz o mistério do céu e o da imagem?



(eu os encontro em Bernard Faucon)

Saturday, October 14, 2006

"La Chambre d`amour" ou "La Chambre Claire"

Tuesday, September 12, 2006

por uma filosofia dos prefixos

Tenho bastante certeza de que, assim como há uma filosofia da pontuação, deve existir uma filosofia dos prefixos. Uma filosofia dos “des”, dos “pos” e dos “ims”. Não falo da lingüistica (que tampouco conheço). Mas algo como Agambem falando da “passagem sem distância nem identificação” para caracterizar os dois pontos e da virtualidade para referir-se às reticências.

Nesta filosofia, para mim desconhecida, diriam da impotência e da impertinência. Da desconstrução e do pós modernismo. Do ininteligível.

Diriam que impotência não é falta de força ou meios para agir, mas a potência do im. Diriam que sobra potência na impotência, mas que ela está na negação, no que impede a ação.

Diriam que inteligível é uma palavra traiçoeira, que ela parece algo que não é, e a última coisa que ela se parece é com seu significado. Isto porque ela parece trazer um prefixo onde não traz, uma negação onde não tem. O que dizer então de inintelegível, que acrescenta um prefixo numa palavra que já parece ter um? Diriam que ele se torna, a príncipio, a negação da negação e, portanto, a afirmação. Confusão que não dura muito. "Ininteligível" é o tipo de palavra que, na incerteza de seu valor afirmativo ou negativo, nos insere naquelas operações matemáticas de menos e menos é mais; mais e menos é menos. E neste sentido ele é bem mais fiel ao seu significado: ininteligível.



E dentre muitas outras coisas diriam que o pós, associado ao des, não facilita, mas embaralha a escritura da história. Que as artes, depois que aprenderam a falar pós modernismo e desconstrução perderam todo o sentido evolutivo (e o pós não é portanto mais algo que vem depois) para habitarem os escombros de temporalidades múltiplas.

*num breve resumo do ultimo mês: tenho escrito textos ininteligíveis sobre a desconstrução do modernismo. A escrita converteu-se na potência do im.

Monday, September 04, 2006

Ainda da pequena morte. (o projeto)

Do Segundo encontro: o fim.
Do ponto de vista do arquivo é um foco. Do ponto de vista do filme é um medo. Por um lado uma decisão, por outro, uma desculpa. E mais uma vez: o não dito. Ela não disse eu. Tampouco disse meu (em silêncio, na terceira pessoa ela ensaia: o meu f…., mas nem em silêncio ela consegue.) Os outros diziam nosso. Mas do ponto de vista do olhar, uma morte, por pequena que seja, não pode ser obra coletiva. Não se trata de um ensaio geral, uma construção premeditada, ou uma fantasia dividida.(…)

Tuesday, August 29, 2006

I

A morte. Pensando em escrever sobre ela, reproduzo o sintagma: A morte. Várias vezes repito: A morte. A morte. A morte. Digo em silêncio, outras vezes em voz alta. Experimento dizer também em francês: La mort. La mort. La mort. Deposito na minha inaptidão para a língua a solução para o problema da continuidade. Quero interromper o predicado ali, no La mort. Espécie de hipnose. La mort. La mort. Repetir, repetir até que não haja nada que não: A morte. A morte em sua absolutez. A morte em sua inteireza. Seis letras: A – m-o-r-t-e; e tudo o que entre elas subsiste. O interior. Não, não pode haver exterior (ou talvez haja só o exterior e nenhuma interioridade). Será possível pensar em uma morte sem sujeito? Uma morte que não remeta a um objeto. Morte impessoal, não individual? Morte acorporal? Que seja só ela, uma morte e nada mais?

Wednesday, August 23, 2006

como pode um filme gozar amorosamente?
(não gozar via outro, não impor seu desejo de gozo ao outro, muito menos ser objeto de gozo de outrens.)

Wednesday, August 16, 2006

Sobre a fotografia e a primeira pessoa

Não me parece possível falar de fotografia que não em primeira pessoa. (e não há nada de controverso nisto). Porque só pode falar de fotografia quem já escreveu o tempo, quem já morreu de amor, quem já tomou o morto pelo vivo. Só pode escrever de fotografia quem já sofreu porque descobriu não ter mais que uma imagem viva de uma coisa morta, quem já trocou a experiência pela imagem, quem já se tornou imagem. Só pode escrever de fotografia quem já fez turismo em cartão postal e acordou sem saber chegar a Torre Eiffel. Só pode escrever de fotografia quem já, na imagem, se tornou outro.
E, então, quem escreve, não é mais o eu. Quer dizer, o eu que fala não tem número de identidade, endereço residencial, telefone comercial. Não prefere peixe à frango nem a noite ao dia. Não tem gato nem cachorro, tampouco inventa ou exibe uma vida amorosa. Sou eu enquanto sujeito impessoal.

(e o fato de que a fotografia seja cada vez mais associada a um narcisismo messiânico que beira ao patético não tem nada que ver com isso)

Tuesday, July 25, 2006

sobre dois arquivos

Há um novo arquivo. Seu nome - tão simplório quanto despretensioso -: dissertação.
Eu o olho de perto, eu o olho de longe. Mudo palavras de lugar.

Uma frase em construção:

é preciso pensar um arquivo pra fotografia…
…pensar a fotografia dentro de um arquivo em que sejam suas condições perceptivas e seus modos de visualidade…
…inserir as motivações de uma “ciência do ser único” tanto quanto as questões da arte dentro de um arquivo…
Um arquivo para a fotografia, não uma história.

As frases estão sempre em construção no arquivo. Talvez também as formas.

Esse arquivo é tão encantador quanto assustador. Da fotografia disseram que ela era alucinante e catastrófica.

Monday, July 24, 2006

do mesmo projeto

(...) Quanto tempo leva o gozo? Cinco minutos? Dez minutos? Uma eternidade? Pergunta estranha, porquanto não se pode dizer que o tempo seja a coisa mais importante uma vez que estamos envolvidos em uma relação. Mas e quando o gozo é o gozo via imagens, quando na relação nos envolvemos apenas enquanto voyeurs? Tratar-se-iam dos mesmos cinco, ou dez minutos? O tempo de espera do gozo é o mesmo para aquele que participou e participa ativamente da relação e para aquele que goza a relação dos outros posta em imagens? De fato, poder-se-ia falar em espera nos dois casos?
Teriam 5, 10 ou 15 minutos a mesma duração para aqueles que vivem uma seqüência de instantes orgásticos e para aquele que não age, mas apenas vê? Para o voyeur, que espera forjar o gozo a partir do gozo do outro, quanto tempo dura um gozo? (...)

Saturday, July 22, 2006

de um projeto que se gostaria em andamento

(e que se chama pequena morte)


(...) O gozo do corpo – momento final de uma relação. Crescendo de sensações que termina na liberação de todas elas. Estase de todo o corpo. Tempo alto.

O gozo via imagens - ponto alto quando a imagem satisfaz o meu desejo sem que eu a satisfaça. Gozo porque vejo o gozo, gozo porque ela me leva a esse ponto em que a partir dela, posso gozar. Tempo alto de uma imagem sem segredo que, se não me responde, conhece minha urgência e a mim se disponibiliza. Estase emprestada, forjada, apropriada e permitida. Gozar via outro; o fazemos com nossos binóculos, o fazemos com nosso vídeos. (...)

Thursday, July 20, 2006

sobre a primeira pessoa

1. eu. meu. minha dor. minha vida. meu corpo. minha opinião. minha experiência. meu jubilo. meu amor. meu cachorro. meu gato. meus inhos.
eu. blogspot.com; grande-eu.blogspot.com

2. e coloquemos todos os eus (não os muitos eus que uma pessoa comporta, mas as muitas vozes que falam do próprio eu) uns diante dos outros e teríamos uma sala de espelhos onde exatamente o eu faltaria. Imagem refletida, idêntica e inautêntica de um narcisismo cego. Eus reiterantes.

3. em que exatamente é a minha história diferente da sua? A minha dor? O meu amor? Ah sim...a minha é maior.

4. falta solidão no eu que fala sobre o eu.
porque mesmo ...? e dependendo do que que são as reticências (não vou preenchê-las, não pretendo nunca preenche-las. é, me parece, um excesso de auto exposição/exibição) agente acha que voltou cinco anos. ao que se era, ao que nunca se quis ser. acordar com o pé esquerdo. ter medo do dia seguinte. não saber quando o dia seguinte começou. faz 5 anos. ou talvez 3. o tanto não importa. fazem, passou, mas o "porque mesmo" faz do outrora um agora vivido. como fotografias.

* são, de fato, estas que me interessam. nem os "comos", nem os "porquês" da primeira pessoa - no mais das vezes de um narcisismo desmedido - mas fotografias.
sua catástrofe, sua loucura, seu vazio constitutivo.