Monday, October 30, 2006

das viagens




Há uma certa ambigüidade que marca o fim das viagens, ao menos das verdadeiras viagens. Nestas, o fim nunca é determinado por uma data, uma passagem ou obrigação. O retorno é um desejo; sabemos que o que viemos fazer aqui foi feito, que o que viemos viver aqui foi vivido. Não é uma saudade; o desejo do retorno não se confunde com as vontades da saudade – esta será, doravante, sempre de um alhures que tampouco é um lugar. É esta a ambigüidade. Voltamos porque sabiamos que deveríamos voltar, e voltamos para lembrar. Não é nunca para o conhecido do lar que voltamos, porque é nossa própria noção de lugar que se modifica; estamos doravante entre dois lugares: o aqui e um ainda aqui.

Mas quando viajamos, estamos, não obstante, entre dois lugares: um aqui e um já aí. Ou mesmo três, o aqui, o um já aí e um ainda aqui. Porque há sempre a casa a nos acompanhar. Uma casa que tampouco é um lugar, mas que é um repositório de memórias, uma geografia de afetos em que eu sou este familiar que me circunda. As verdadeiras viagens são sempre o encontro dessa casa que me habita com este desconhecido que me convida e com o qual torno-me intimo. Mas é minha casa que se fratura e se torna intima dessa outra geografia.

É a velha sentença que deve ser reformulada: viajo para voltar. Porque a questão é menos de espaço que de tempo; ou, se é de espaço, ela é igualmente de tempo. Nas verdadeiras viagens, voltamos todos os dias; e a volta é, não obstante, uma viagem. Voltamos para viajar.

Depois dos reecontros, segue-se um silêncio; é o som do “ainda aqui”. Para ele não há palavras. Há muitas vezes fotografias. Os álbums de viagem são com frequência uma tentativa de encontrar realidade para esta viagem que ainda nos habita; de tornar presentes esta ausência que passamos a acreditar constitutiva. Nada se presta melhor a melancolia da perda do que as fotografias.

Tuesday, October 17, 2006

Da infância guardo duas lembranças: a abjeção pelo pôr do sol e a abjeção pela fotografia. Há outras ainda; reconstituições forjadas pelas fotos que encontro no álbum da familia. A menina em amarelo, a menina vestida de baiana, fantasiada de coelho da páscoa ou arrumada para a festa junina. Olho-as e penso: devo ter sido feliz. É isto o que estas fotos me atestam. Mas não lembro da felicidade. Lembro do seu teatro e de uma pose de felicidade. Estas imagens não guardam nenhum mistério desta infância que outrora tive e para qual reivindico o direito de esquecimento (como para todos os pores do sol indiferenciáveis nas tantas mil fotos que dele vejo e nas quais nunca o encontro.).
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Aonde jaz o mistério do céu e o da imagem?



(eu os encontro em Bernard Faucon)

Saturday, October 14, 2006

"La Chambre d`amour" ou "La Chambre Claire"