Friday, February 16, 2007

Escrevem-me a dizer que a foto substitui o instante. Dentre outras coisas dizem-me também que na sua imobilidade e no seu mutismo ela nos convida a ultrapassar o instante, “a propor uma continuação”. E antes de concluirem dizendo que o video deveria substituir a fotografia dizem-me ainda que a foto “casual” deveria durar um período mais longo. “Algo mais que o nada”, “algo que desse calor e provocasse mais memórias atiçando saudades”.

Respondo pelo começo: não, caro sam, a foto não substitui o instante, ela dá duração ao instante. O que é o instante, eu te pergunto? Qualquer coisa que tem uma dimensão temporal praticamente nula. Tente, no fluxo do tempo, me apontar um instante. É impossível, ele é sempre aquilo que acabou de se tornar passado. E eis que vem a fotografia. E o que ela faz? Ela detêm um instante, ela petrifica-o, subtraindo-o da corrupção do tempo. E neste momento em que o futuro não pode mais exercer o seu trabalho, a foto abre-se para um fora do tempo. Doravante, não será mais o instante que passará pelo tempo, será o tempo que passará pelo instante.

É certamente um paradoxo: retirado da duração o instante adquire duração; retirado do fluxo do tempo; ele, que tem temporalidade quase nula, adquire temporalidade; no que pára, algo perpetua; no que está imóvel algo se move.

É isto, no imóvel algo se move. Não, caro sam, a foto não convida a ultrapassar o instante, ela não propõe uma continuação – é o cinema que o faz, o cinema é que tem um fora de campo. A foto, por sua vez tem um campo cego. Este campo cego é o meu olhar. Explico-me. Na medida em que ela dá duração ao instante ela se abre a um vagar infinito deste olhar. E não é no tempo do mundo que eu vago, é neste fora do tempo, neste outro do mundo. Uma foto não tem antes ou depois, ela tem um então e um agora: o então da tomada e o agora do meu olhar. A imobilidade da foto, converte-se em uma imobilidade viva, e o nada do instante (este nada do qual você fala), converte-se no tudo do meu encontro com o passado do referente.

O calor e a saudade dos quais você fala não estão no movimento que inscreve o futuro, mas no que o impede. Eis a foto: eu vejo aquilo que foi, ele está ali diante de mim, se perscruta-la talvez poderei tocá-lo. Mas não posso, ele está de mim apartado, ele é inapreensível.

Talvez, sam, seja com a palavra substituição que eu não concorde. Pelos argumentos que você me apresenta ela é insustentável. Há algo como a vida e há algo como uma vida através do olhar. Há fotos que nos permitem isso, há filmes que nos permitem isso (não da mesma forma que a fotografia, mas na relação entre o tempo e o movimento). Mas, no dia em que o cinema ou a fotografia substituirem a vida (os instantes, a experiência de ver…) temo dizer, Sam, será o dia em que não existirá nem mais cinema, nem mais fotografia. Talvez isto já esteja acontecendo. Sim, estamos no reino do digital, da imagem numérica, publicitária, do turismo fotográfico e videográfico. Felizmente há os que resistem. E que esta resistência seja tanto fotográfica quanto cinematográfica.

8 Comments:

Anonymous Anonymous said...

pat, isso é parte do seu texto? quero dizer, da sua dissertação?
gostei muito de estar aqui.
um beijo.

7:20 AM  
Blogger pat m. said...

ei glaurete. isso não faz parte do meu texto, não tal como está aqui. mas sim, é possível escutar ecos da dissertação... beijos e saudades.

8:32 AM  
Blogger sam said...

Hum... srta pat.m... sim.. é impossivel dizer sobre um instante.. pois se citar algum instante, ele obviamente, e paradoxalmente deixa de ser um instante.

Bem.. e se algo vem e substitui o instante, obviamente não seria ele um instante. Uma foto é atemporal. Porém teoricamente, ela retrata um momento inerte. Um instante, obviamente.. que por consequencia deixa de ser um instante.

e como disse: A imobilidade da foto, converte-se em uma imobilidade viva, e o nada do instante (este nada do qual você fala), converte-se no tudo do meu encontro com o passado do referente.

Apesar de ser uma reflexão pessoal sobre o que você diz.. a foto ainda assim atiça sua memória. Lhe resulta em um sentimento. Porém a imagem permanece estática. e continuando a algo que disse:

O calor e a saudade dos quais você fala não estão no movimento que inscreve o futuro, mas no que o impede. Eis a foto: eu vejo aquilo que foi, ele está ali diante de mim, se perscruta-la talvez poderei tocá-lo. Mas não posso, ele está de mim apartado, ele é inapreensível.

Se eu tivesse um video em qqr mídia de meu pai, que morrera tem 2 anos, no qual contido estivesse sua voz, seus movimentos do corpo, sua risada e mesmo que isso induzisse à uma imagem fixa, seria real. Não haveria distorções em minha memória sobre suas facetas. Envolveria mais meu coração a ter saudades e relembrá-lo com mais vigor e densidade. Uma foto permanece uma imagem estática de meu pai enquanto a memória do resto dele se esmaece no tempo

E me desculpe pelo termo "sustituir", pois do mesmo já não concordo mais. Mas há formas mais faceis de se guardar um momento.. um pedacinho de vida...

vou tentar ler o link em frances que deixara... não falo nada.. mas vou ver no que dá...

te vejo por ae, garota...
bacci

11:24 AM  
Anonymous Anonymous said...

ei pat,

lendo seu texto, pensando no instante sem pensar na fotografia, lembrei de um livro lindo, lido há pouco, o água viva, da clarice lispector. se tiver um tempinho, e ainda não tiver lido, vale a pena a visita. ele é pequeno, mas tive vontade que ele não acabasse nunca. pensando bem, imagino que agora não haja tempo para muita coisa. enfim, fica meu pensamento em você.

um beijo, ciça.

12:39 PM  
Blogger pat m. said...

ei ciça,
li água viva também há pouco. foi uma das poucas pausas durante a escrita. pequena pausa, mas que valeu por uma grande. lindo, lindo. beijos

5:46 PM  
Anonymous Anonymous said...

onde você está

3:29 PM  
Anonymous Anonymous said...

onde você está

3:29 PM  
Anonymous Anonymous said...

onde você está

3:29 PM  

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