Escrevem-me a dizer que a foto substitui o instante. Dentre outras coisas dizem-me também que na sua imobilidade e no seu mutismo ela nos convida a ultrapassar o instante, “a propor uma continuação”. E antes de concluirem dizendo que o video deveria substituir a fotografia dizem-me ainda que a foto “casual” deveria durar um período mais longo. “Algo mais que o nada”, “algo que desse calor e provocasse mais memórias atiçando saudades”.
Respondo pelo começo: não, caro sam, a foto não substitui o instante, ela dá duração ao instante. O que é o instante, eu te pergunto? Qualquer coisa que tem uma dimensão temporal praticamente nula. Tente, no fluxo do tempo, me apontar um instante. É impossível, ele é sempre aquilo que acabou de se tornar passado. E eis que vem a fotografia. E o que ela faz? Ela detêm um instante, ela petrifica-o, subtraindo-o da corrupção do tempo. E neste momento em que o futuro não pode mais exercer o seu trabalho, a foto abre-se para um fora do tempo. Doravante, não será mais o instante que passará pelo tempo, será o tempo que passará pelo instante.
É certamente um paradoxo: retirado da duração o instante adquire duração; retirado do fluxo do tempo; ele, que tem temporalidade quase nula, adquire temporalidade; no que pára, algo perpetua; no que está imóvel algo se move.
É isto, no imóvel algo se move. Não, caro sam, a foto não convida a ultrapassar o instante, ela não propõe uma continuação – é o cinema que o faz, o cinema é que tem um fora de campo. A foto, por sua vez tem um campo cego. Este campo cego é o meu olhar. Explico-me. Na medida em que ela dá duração ao instante ela se abre a um vagar infinito deste olhar. E não é no tempo do mundo que eu vago, é neste fora do tempo, neste outro do mundo. Uma foto não tem antes ou depois, ela tem um então e um agora: o então da tomada e o agora do meu olhar. A imobilidade da foto, converte-se em uma imobilidade viva, e o nada do instante (este nada do qual você fala), converte-se no tudo do meu encontro com o passado do referente.
O calor e a saudade dos quais você fala não estão no movimento que inscreve o futuro, mas no que o impede. Eis a foto: eu vejo aquilo que foi, ele está ali diante de mim, se perscruta-la talvez poderei tocá-lo. Mas não posso, ele está de mim apartado, ele é inapreensível.
Talvez, sam, seja com a palavra substituição que eu não concorde. Pelos argumentos que você me apresenta ela é insustentável. Há algo como a vida e há algo como uma vida através do olhar. Há fotos que nos permitem isso, há filmes que nos permitem isso (não da mesma forma que a fotografia, mas na relação entre o tempo e o movimento). Mas, no dia em que o cinema ou a fotografia substituirem a vida (os instantes, a experiência de ver…) temo dizer, Sam, será o dia em que não existirá nem mais cinema, nem mais fotografia. Talvez isto já esteja acontecendo. Sim, estamos no reino do digital, da imagem numérica, publicitária, do turismo fotográfico e videográfico. Felizmente há os que resistem. E que esta resistência seja tanto fotográfica quanto cinematográfica.
Respondo pelo começo: não, caro sam, a foto não substitui o instante, ela dá duração ao instante. O que é o instante, eu te pergunto? Qualquer coisa que tem uma dimensão temporal praticamente nula. Tente, no fluxo do tempo, me apontar um instante. É impossível, ele é sempre aquilo que acabou de se tornar passado. E eis que vem a fotografia. E o que ela faz? Ela detêm um instante, ela petrifica-o, subtraindo-o da corrupção do tempo. E neste momento em que o futuro não pode mais exercer o seu trabalho, a foto abre-se para um fora do tempo. Doravante, não será mais o instante que passará pelo tempo, será o tempo que passará pelo instante.
É certamente um paradoxo: retirado da duração o instante adquire duração; retirado do fluxo do tempo; ele, que tem temporalidade quase nula, adquire temporalidade; no que pára, algo perpetua; no que está imóvel algo se move.
É isto, no imóvel algo se move. Não, caro sam, a foto não convida a ultrapassar o instante, ela não propõe uma continuação – é o cinema que o faz, o cinema é que tem um fora de campo. A foto, por sua vez tem um campo cego. Este campo cego é o meu olhar. Explico-me. Na medida em que ela dá duração ao instante ela se abre a um vagar infinito deste olhar. E não é no tempo do mundo que eu vago, é neste fora do tempo, neste outro do mundo. Uma foto não tem antes ou depois, ela tem um então e um agora: o então da tomada e o agora do meu olhar. A imobilidade da foto, converte-se em uma imobilidade viva, e o nada do instante (este nada do qual você fala), converte-se no tudo do meu encontro com o passado do referente.
O calor e a saudade dos quais você fala não estão no movimento que inscreve o futuro, mas no que o impede. Eis a foto: eu vejo aquilo que foi, ele está ali diante de mim, se perscruta-la talvez poderei tocá-lo. Mas não posso, ele está de mim apartado, ele é inapreensível.
Talvez, sam, seja com a palavra substituição que eu não concorde. Pelos argumentos que você me apresenta ela é insustentável. Há algo como a vida e há algo como uma vida através do olhar. Há fotos que nos permitem isso, há filmes que nos permitem isso (não da mesma forma que a fotografia, mas na relação entre o tempo e o movimento). Mas, no dia em que o cinema ou a fotografia substituirem a vida (os instantes, a experiência de ver…) temo dizer, Sam, será o dia em que não existirá nem mais cinema, nem mais fotografia. Talvez isto já esteja acontecendo. Sim, estamos no reino do digital, da imagem numérica, publicitária, do turismo fotográfico e videográfico. Felizmente há os que resistem. E que esta resistência seja tanto fotográfica quanto cinematográfica.
8 Comments:
pat, isso é parte do seu texto? quero dizer, da sua dissertação?
gostei muito de estar aqui.
um beijo.
ei glaurete. isso não faz parte do meu texto, não tal como está aqui. mas sim, é possível escutar ecos da dissertação... beijos e saudades.
Hum... srta pat.m... sim.. é impossivel dizer sobre um instante.. pois se citar algum instante, ele obviamente, e paradoxalmente deixa de ser um instante.
Bem.. e se algo vem e substitui o instante, obviamente não seria ele um instante. Uma foto é atemporal. Porém teoricamente, ela retrata um momento inerte. Um instante, obviamente.. que por consequencia deixa de ser um instante.
e como disse: A imobilidade da foto, converte-se em uma imobilidade viva, e o nada do instante (este nada do qual você fala), converte-se no tudo do meu encontro com o passado do referente.
Apesar de ser uma reflexão pessoal sobre o que você diz.. a foto ainda assim atiça sua memória. Lhe resulta em um sentimento. Porém a imagem permanece estática. e continuando a algo que disse:
O calor e a saudade dos quais você fala não estão no movimento que inscreve o futuro, mas no que o impede. Eis a foto: eu vejo aquilo que foi, ele está ali diante de mim, se perscruta-la talvez poderei tocá-lo. Mas não posso, ele está de mim apartado, ele é inapreensível.
Se eu tivesse um video em qqr mídia de meu pai, que morrera tem 2 anos, no qual contido estivesse sua voz, seus movimentos do corpo, sua risada e mesmo que isso induzisse à uma imagem fixa, seria real. Não haveria distorções em minha memória sobre suas facetas. Envolveria mais meu coração a ter saudades e relembrá-lo com mais vigor e densidade. Uma foto permanece uma imagem estática de meu pai enquanto a memória do resto dele se esmaece no tempo
E me desculpe pelo termo "sustituir", pois do mesmo já não concordo mais. Mas há formas mais faceis de se guardar um momento.. um pedacinho de vida...
vou tentar ler o link em frances que deixara... não falo nada.. mas vou ver no que dá...
te vejo por ae, garota...
bacci
ei pat,
lendo seu texto, pensando no instante sem pensar na fotografia, lembrei de um livro lindo, lido há pouco, o água viva, da clarice lispector. se tiver um tempinho, e ainda não tiver lido, vale a pena a visita. ele é pequeno, mas tive vontade que ele não acabasse nunca. pensando bem, imagino que agora não haja tempo para muita coisa. enfim, fica meu pensamento em você.
um beijo, ciça.
ei ciça,
li água viva também há pouco. foi uma das poucas pausas durante a escrita. pequena pausa, mas que valeu por uma grande. lindo, lindo. beijos
onde você está
onde você está
onde você está
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