Tuesday, September 18, 2007

Contar o tempo em quadros e em segundos

Acho que é Pai e Filha (Banshun, 1949)o filme de Ozu de que mais gosto. Gosto do sorriso de Noriko e do sorriso de seu pai. Inabaláveis e tristes. Gosto do gesto derrotado com o qual o pai descasca uma maçã e do olhar abandonado de Noriko durante o Nô. Gosto da sútil agressividade do vento sobre as árvores e das ondas do mar. Sobretudo encantam-me os relógios de parede que parecem sempre acompanhar Noriko e do vaso (de cinzas?) sobre a mesa, logo após a cena em que ela se desculpa com seu pai na última viagem que os dois fazem juntos. Estes relógios e este vaso me dizem do que está em vias de não ser mais.
Como a fotografia: anúncio de uma morte futura.

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Há um filme de Win Wenders, Tokyo Ga, em que o cineasta alemão parte para o Japão em busca do Japão de Ozu. É claro que não encontra nada daquilo em uma Tóquio tomada pela publicidade e pelo consumo (e cabe a pergunta se ele realmente esperava encontrar). Mas, em um dado momento, após visitar, junto ao primeiro assistente de Ozu, o tumúlo do cinemasta - no qual está inscrito não o nome do cineasta, mas um ideograma japonês representando a palavra 'Mu' ('vazio') - Wenders é apresentado ao relógio que Ozu utilizava durante as filmagens. O relógio marcava o tempo em quadros e em segundos. É um dos momentos grandiosos do filme (talvez Wenderes não tenha percebido). Não encontrando o Japão de Ozu, ele encontra o cinema de Ozu: o vazio e o tempo marcado em quadros e em segundos.

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Parece-me que não são só os enquadramentos rigorosos de Ozu que justificam a comparação do cineasta com um fotógrafo. É também tudo o que se passa no quadro (ou talvez dever-se-ia dizer 'nada'). O tempo em sua forma mais cristalina.

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