Monday, December 18, 2006

há um, há dois



e há três relógios...

O primeiro marca 2 e 43, o segundo também marca 2 e 43 e o terceiro não conhece horas, minutos nem segundos, mas cria um tempo outro, em que será, para sempre, 2 e 43.

Renovação da duração: nada a lembrar, nada a esperar. Nem futuro, nem passado, só este momento que, não obstante, não conhece a passagem do tempo.

De uma imbolização do olhar, um caso de amor perfeito (a três).
Uma pequena morte.


* foto: felix gonzales-torres

Saturday, December 09, 2006

a impotência para nomear

é um bom sinal de distúrbio. O que eu posso nomear não pode, na realidade, me ferir.

O studium é o campo do desejo indolente, do interesse diversificado, do gosto inconsequente: gosto / não gosto, I like / I don`t. É da ordem do to like, e não do to love; mobiliza um meio desejo, um meio querer.

No punctun, 'o efeito é seguro, mas não situável, não encontra seu signo, seu nome; é certeiro e no entanto aterrisa em uma zona vaga de mim mesmo; é agudo e sufocado, grita em silêncio. Curiosa contradição: é um raio que flutua.

A Câmara Clara, Roland Barthes.

Friday, December 08, 2006

idéia de amor

Viver na promixidade de um ser estranho, não para nos aproximarmos dele, para o dar a conhecer, mas para o manter estranho, distante, e mesmo inaparente — tão inaparente que o seu nome o possa conter inteiro. E depois, mesmo no meio do mal-estar, dia após dia não ser mais que o lugar sempre aberto, a luz inesgotável na qual esse ser único, essa coisa, permanece para sempre exposta e murada.

Giorgio Agamben, "Idéia da Prosa", tal como encontrado no dias felizes.

Wednesday, December 06, 2006

Gosto, amo

Tenho uma terrível dificuldade de falar das coisas que eu gosto. Não tanto das que eu gosto quanto das que me arrebatam. Posso, por exemplo, dizer que gosto de comédias românticas e de ER. Posso inclusive justificar, sem grandes problemas, que nos caso das comédias minhas preferências recaem sobre as que têm no elenco o Bill Murray, o Hugh Grant ou a Julia Roberts, enquanto que as da Meg Ryan me entediam. Estes filmes são engraçados, divertidos, leves. Se eu não preciso pensar muito enquanto os assisto tampouco preciso para os adjetivar. Eles fazem parte de uma região média do meu gostar. Entro e saio deles facilmente.

Mas quando o caso é dizer do que me arrebata as palavras sempre faltam. Não há nem metáforas nem adjetivos (e adjetivar, me parece sempre uma terrível falha da linguagem).
Quando é assim, eu só posso dizer que a Duras é. Que a Anne Marie Stretter de India Song é. Que elas são precisamente onde eu não sou mais.
Ou então que há uma dor. Uma dor silenciosa e aguda, na Mouchete e na Marie (Au Hazard Balthazar) de Bresson, e uma dor resistente e opaca na Bardot de Le Mepris.
Eu posso dizer que eu estive e não estive em Mariambad e que em Hiroshima eu amei e morri.
Para além disso, eu digo que o deserto (e o deserto não precisa ser necessariamente um deserto, ele pode ser uma cidade esvaziada) absorve toda vida de quem vaga e de quem vê. Que no deserto o silêncio grita e a solidão cega. Que na Monica Vitti eu me senti tão só quanto eu nunca fora.
De resto, nesta incapacidade de dizer, faz um tempo que venho tentando falar sobre a Chantal e a Varda, mas tudo o que consegui foi associar o verbo ser ao verbo olhar. E ainda sim, o sujeito da ação continua incerto.

* felizmente há sempre aqueles que acham as palavras certas. se acontecer de me encontrarem a falar qualquer coisa que não seja um 'silêncio impronunciável" foi aqui, aqui ou aqui que eu encontrei.

Monday, December 04, 2006

Gosto, não gosto:

isso não tem a menor importância para ninguém; isso, aparentemente, não tem sentido. E, no entanto, tudo isso quer dizer: meu corpo não é igual ao seu. Assim, nessa espuma anárquica dos gostos e desgostos, desenha-se pouco a pouco a figura de um enigma corporal, atraindo cumplicidade ou irritação. Aqui começa a intimidação do corpo, que obriga o outro a me suportar liberalmente, a ficar silencioso e cortês diante de gozos ou recusas de que não partilha.

(uma mosca me irrita, eu a mato: a gente mata aquilo que nos irrita. Se eu não tivesse matado a mosca, teria sido por puro liberalismo: sou liberal para não ser assassino)

R.B. por R.B.

Parênteses para quando faltam palavras e imagens.

Voltar: Flores secas e pimentas mortas. Uma bromélia, antes rosa, e agora cinza (ela a prefere assim, há uma tristeza não decorativa nesta cor póstuma). Um cheiro de abandono que sai da geladeira. Uma árvore da felicidade sem folhas nem galhos - se ao menos fosse outro o seu nome.
Da partida resta ainda a gaiola sem pássaros e as palavras na parede.
Ela queria um mundo de natrezas mortas. É preciso comprar semprevivas.