Primeira pessoa
Cheguei em tempo de poder ver as 2500 fotos da mãe de Emil Forman. Não esperem que a um convite para olhar suas fotos de família ou os registros de suas férias eu atenda por qualquer outro motivo que não seja a educação. Mas, estas fotos, desta mãe, de quem nem mesmo o nome eu sei, me fascinaram.
Não, não era a “arte fotográfica”. De um tempo em que o maneirismo ainda não havia tomado conta da fotografia amadora e que a vida humana ainda não se espelhava nas imagens futuras que a camêra lhes dedicaria, estas fotos realizadas entre as décadas de 40 e 60 são absolutamente banais.
Uma vida registrada no correr da malha de seu cotidiano.
E eis que uma mágica acontece: eu me vejo indo e voltando entre uma foto e outra; buscando, nos acontecimentos menores de uma vida, nos rostos e lugares, a cada foto mais familiares, os indícios da passagem do tempo, os fios invisíveis que ligariam um momento ao outro.
Eu traço linhas imaginárias entre instantes registrados; eu quero saber como aquela que foi se tornara aquela que é e, o quê daquela que é levaria àquela que seria. Eu brinco de adivinhar o futuro.
Ainda no meio da instalação eu escuto, ao meu lado, alguém a perguntar: mas será que ela não se casou? Eu me perguntava a mesma coisa: desta vida guardada em todas as suas insignificâncias, eu queria o casamento - esta data por todos registrada. Eu queria, principalmente, o fio que ligasse aquela mulher àquele artista que a ela me apresentava. E eis que eu vejo: A noiva, as crianças, a vida familiar. Lamento o tempo passado, lamento o que foi e não mais será, mas respiro, aliviada, por finalmente encontrar, na foto de Forman bebê, o momento em que o hoje se aninhava ao ontem.
Nesta foto eu paro e, por um instante, me emociono imaginando que com aquele bebê – hoje, já morto – era o presente do meu olhar o que também nascia.
Está tudo lá: a relíquia, a memória, e A mãe (dizem que, o único lugar onde temos certeza de, um dia, já termos estado).