Tuesday, August 29, 2006

I

A morte. Pensando em escrever sobre ela, reproduzo o sintagma: A morte. Várias vezes repito: A morte. A morte. A morte. Digo em silêncio, outras vezes em voz alta. Experimento dizer também em francês: La mort. La mort. La mort. Deposito na minha inaptidão para a língua a solução para o problema da continuidade. Quero interromper o predicado ali, no La mort. Espécie de hipnose. La mort. La mort. Repetir, repetir até que não haja nada que não: A morte. A morte em sua absolutez. A morte em sua inteireza. Seis letras: A – m-o-r-t-e; e tudo o que entre elas subsiste. O interior. Não, não pode haver exterior (ou talvez haja só o exterior e nenhuma interioridade). Será possível pensar em uma morte sem sujeito? Uma morte que não remeta a um objeto. Morte impessoal, não individual? Morte acorporal? Que seja só ela, uma morte e nada mais?

Wednesday, August 23, 2006

como pode um filme gozar amorosamente?
(não gozar via outro, não impor seu desejo de gozo ao outro, muito menos ser objeto de gozo de outrens.)

Wednesday, August 16, 2006

Sobre a fotografia e a primeira pessoa

Não me parece possível falar de fotografia que não em primeira pessoa. (e não há nada de controverso nisto). Porque só pode falar de fotografia quem já escreveu o tempo, quem já morreu de amor, quem já tomou o morto pelo vivo. Só pode escrever de fotografia quem já sofreu porque descobriu não ter mais que uma imagem viva de uma coisa morta, quem já trocou a experiência pela imagem, quem já se tornou imagem. Só pode escrever de fotografia quem já fez turismo em cartão postal e acordou sem saber chegar a Torre Eiffel. Só pode escrever de fotografia quem já, na imagem, se tornou outro.
E, então, quem escreve, não é mais o eu. Quer dizer, o eu que fala não tem número de identidade, endereço residencial, telefone comercial. Não prefere peixe à frango nem a noite ao dia. Não tem gato nem cachorro, tampouco inventa ou exibe uma vida amorosa. Sou eu enquanto sujeito impessoal.

(e o fato de que a fotografia seja cada vez mais associada a um narcisismo messiânico que beira ao patético não tem nada que ver com isso)